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6 poemas sobre morte e vida de Breno Zonta

por Breno Zonta
Stacks of Wheat (End of Summer). 1890/91. Claude Monet

3 poemas de morte

Termo

A sombra da vida.
Estrias do tempo.
Interrupta.

Ilógica, a lógica?
Choque, imã?

Uma batida oca
pôr do som
Tudo é insensatez.

Mas adubo
floresce
ainda que até.

É ciclo
foge à ideia
pobres de nós.


Constrangimento

Salva o pensamento
o frio do vento
os tantos sons, separados
o viaduto bronzeado de madrugada.

Sobreposição ao real
estas palavras que disparam
enxameiam o amor.


Véspera

Em sua pele viçosa, flacidez pálida.
Você só tem vinte e dois anos.
Eu só tenho vinte e dois anos.
E chama, em vão.


3 prosas de vida

Aperte areia

É quando eu sinto minha pele. Soprarem os pelos do braço, aguar o lábio, arderem, mudos, os olhos. Quando é bom cruzar as pernas, sentir o calor na coxa, passar pra virilha. É quando há uma chama de fogo perseguindo minha alma. E ela foge pra perseguir o fogo, desse movimento tudo nascendo. É nessas horas em que o silêncio cobre tudo, e sobra a respiração, pedindo uma vírgula. É quando o coração assusta, pois de repente vive demais. É nesses momentos que tudo é temperatura, física, química — vida e morte vibrando, como metal teso, ruindo lento, em pó — nessas horas, que acontece: tudo em volta vira, como pelo próprio avesso, e reaparece palavra. Veja e ouça o berro que ele deu no banho. Sinta a cavidade dessa voz, de onde vem seu volume, suas notas. Um rangido de dentes. Um soco na parede de azulejo. O prazer de imaginar os cristais do cinzeiro explodirem na parede branca, áspera, dura. O som do êxtase, da destruição, a queima, lenta, de um papel do passado, o tempo nas mãos, de sua destruição. Destruição.


Apartamento

Magneticamente, estou em repouso. Não sei por que digo, mas digo, é preciso dizer e quem se cala não sente, ou sente em repulsão, o que dá quase na mesma.

É difícil saber sobre as coisas, o nome das cores, se está o sapato sobre o tapete da sala, que estamos fazendo aqui afinal, pra quê tudo isso ou, principalmente, por que procura-se motivo para tudo que há?

Muitas das minhas vozes são outros. Não somos eu, de maneira alguma, bem longe aliás. Ainda sou eu quem escreve, talvez quem pense, quem sabe quem sinta. Mas são vozes, como as poeiras que rondam o ar e de repente grudam no chão. Só fazem parte do chão até um pé de vento sacudi-las para outro lugar. E o chão sempre é apenas o chão, quase quando.

Por exemplo essa linguagem. Também não é a linguagem mas talvez seja ela mesma. Não é o texto, não são as palavras, não é, principalmente, a leitura, com certeza não a leitura. Mas ainda assim é a linguagem, e é uma descoberta e, se é uma descoberta e ainda é a linguagem, mesmo que quase, por que não?

É difícil suportar a luz escura da lâmpada da sala, alaranjando o mundo ao redor. Ela é cômoda demais, agressiva e comburente demais, não sei se gosto de gostar dela. Mas foi ela que me levou aqui.

São muitas perguntas quando o mundo desembrulha seu papel. As cortinas da sacada, pausadas e resguardadas por seu feixe preso à parede. O céu escuro noturno lá fora, cinzento ainda com fosforescências do fim de tarde por perder-se.

E o pior de tudo: os múltiplos pontos de luz, amarelos, brancos e vermelhos, espalhados pelo cenário de pintura urbana divisado da sacada da sala. Insuportavelmente múltiplas, discretas, potencialmente polifônicas, misteriosas de um segredo provavelmente banal, que eu gostaria de desvelar magnífico, mas estou longe demais, e daqui são só luzes, insuportavelmente múltiplas.


Perifeérico

Hoje é real. Não tenha mais pressa, hoje tudo vai por água abaixo. Vai ruir, vão te dizer. Não tenha expectativas demais, elas podem ser frustradas. Prefira a neutralidade. Acredite nela.

Domingo é dia de feira no bairro. Carregando uma sacola de pano verde, foi atrás de legumes e frutas para a semana. Deparou com outra coisa. Na barraca de bananas, um cachorro roto e fedido fuçava um monte de rúculas acumuladas em um saco preto de lixo. Do vidro transparente da lanchonete ao lado, um jovem não tirava os olhos do bicho, fascinava-o alguma coisa, tanto que não perdia um movimento do animal. Até que aconteceu dos dois olhares se triscarem. O cachorro passou a acompanhar hipnótico o ponto de luz profundo e central dos olhos do rapaz. Eles se conectavam de tal forma que o cachorro esquecera as rúculas e as possíveis sobras de luxo da feira que pudessem lhe vir a calhar. Agora sua nova obsessão eram os olhos do moço e como aquela íris castanha de centro preto bem preto lhe atraía a atenção. Mas era frustrante como aquela tela de vidro o impedia de ver aqueles olhos de mais perto, quem sabe cheirá-los, lambê-los, quais seriam com eles seus desejos? Em certo momento, o celular do rapaz vibrou sobre a mesa marrom de madeira e ele foi checá-lo. Em seguida chegou sua refeição de arroz feijão e um steak de frango recheado de presunto e queijo. E o cheiro do tempero lhe dobrou o intestino, lhe secou a garganta e formigou a língua e os lábios. E no celular ela havia lhe mandado mensagem. E seu amigo precisava conversar.

E, enquanto passavam, esse tempo e esses fatos, sobrava, do outro lado do vidro, um olhar abandonado, agora desconcentrado, disperso, esvaziado de um presente já escapado como passado. Que de novo se virou e enfiou o focinho no saco preto de rúculas estragadas e mesmo assim acabou balançando o rabo.


Breno Zonta (1996) nasceu e mora em São Paulo. É jornalista formado pela Cásper Líbero e graduando em Letras pela FFLCH USP. Trabalha como repórter de rádio, mas preferia estar lendo. Publica para seus dois seguidores em: https://medium.com/@brenozonta11.

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